terça-feira, 7 de agosto de 2012

Ação e Produção



Produzir “O Velório” é o principal desafio do Teatro da Neura. São muitos os porquês e para entendê-los precisamos recorrer ao histórico do grupo, e mais ainda, compreender o próprio teatro de grupo. O Teatro da Neura conta com oito anos de existência, sediado em Suzano, no Alto Tietê, geograficamente próximo a capital paulista. Essa proximidade com São Paulo promoveu no grupo uma relação antagônica: ao mesmo tempo em que estamos pertos e temos acesso ao que é produzido nesse grande centro de efervescência artístico cultural, por outro lado nos mantemos a margem do circuito paulistano. Isso fez que nos fortalecêssemos, tornássemos referência regional e descobríssemos, na prática, nosso próprio modelo de organização. Estabelecemos uma relação de troca e respeito com o público e com a classe artística, firmando parcerias e nos experimentando inclusive em outras linguagens. Esses anos de experiências, permitiram a constante pesquisa e experimentação criativa, ricos processos de montagens, formação contínua (individual e coletiva), maturidade de pensamento e compreensão de nosso próprio fazer artístico. Por isso, temos tranqüilidade em nos entender como um grupo em constante processo de amadurecimento e formação, mas que possui uma vivência que lhe dá unidade e identidade. “O Velório” é o primeiro espetáculo da sequência autoral que o grupo batizou de “Trilogia dos Sacros Dias”. Todas as peças da trilogia são histórias que se passam em uma casa de família, em épocas diferentes e tem como conflito principal a base familiar, a religião, o casamento, o sexo e as questões enraizadas na sociedade, porém de uma forma fantástica. Em “O Velório”, por exemplo, a primeira peça da trilogia, a mulher com sua dor de traída, sendo julgada pelos moradores da cidade, é proibida de receber o corpo de Cristo na Sexta Santa, sabendo da “morte fantástica” do marido, exige que o corpo dele seja velado dentro de casa para que as outras da família e ela assistam o apodrecer diário, mas para sua surpresa, o defunto cheira melhor a cada dia. Já em “Sábado de Aleluia”, a trama segue a partir de uma freira que é beijada a força durante a procissão na Sexta Santa e se mata ao raiar do Sábado de Aleluia, desde então há uma maldição na cidade: as pessoas só podem beijar-se nos Sábados de Aleluia. E a última, “Precisamos Falar Sobre Virgínia”, conta a saga de uma família de cinco irmãs e um único irmão que é idolatrado por elas, onde uma das personagens é amiga confidente de Nossa Senhora Aparecida e em nome dela leva a família ao desfecho de morte por conta do casamento do irmão com a estranha Virgínia. Todas as histórias se passam no fim da quaresma, durante os sacros dias da semana santa. A menina que anoitece, a mãe que amamenta morcegos e a amante que passa seus dias a esmurrar a porta, proibida de se despedir do amado são exemplos de personagens desse mundo fantástico em criação. A Festa dos Mortos do México, a Procissão do Fogaréu, a Festa da Nossa Senhora da Saúde e a Procissão das Almas também são material para toda a estrutura do espetáculo.  “O Velório” é um espetáculo discutido, analisado, pensado por essas pessoas que trabalham juntas e querem montá-lo. Todo trabalho é muito artesanal: o texto criado pelo dramaturgo do grupo passou por inúmeras revisões para caber exatamente na boca de nossas atrizes. A estética pensada vem do abandono de várias hipóteses deixadas pra trás. Nossa relação com esse espetáculo é tão cuidadosa que pela primeira vez nos deslocamos como grupo para aprofundamento da pesquisa: primeiro para Ouro Preto (MG), conhecer a “estética da fé” no contexto barroco e depois Paraty (RJ), onde acompanhamos os ritos seculares da Semana Santa. Aguardamos a profissionalização do grupo. O amadurecimento coletivo. A percepção do “onde estamos”. E após oito anos, não há dúvidas: este é o momento que, dentro do Teatro da Neura, precisamos montar O Velório...

Um comentário:

  1. Tive o prazer de ver a leitura dramática do espetáculo no Galpão das Artes em Suzano. E conhecendo o grupo como conheço, posso dizer que será mais um brilhante trabalho!
    Visto que os profissionais são exemplares, as pesquisas sensacionais e o grupo confiante!
    Só me resta ficar na expectativa da estréia!
    Amooo tudo isso! Bjs a todos!
    MERDA!

    ResponderExcluir